Série: Fé fora da Caixa. A
espiritualidade de Jesus e a subversão da religião
Texto: João 4. 1-42
[verso 4] “Era-lhe
necessário atravessar a província de Samaria”.
Por que era necessário à Jesus atravessar a
província de Samaria? Os judeus quando queria sair da Judeia e rumar em direção
a Galiléia, não optavam a rota que passava por Samaria, antes faziam um caminho
mais longo para evitar o passar por essa região. Isso por que os judeus não
consideravam os samaritanos como patrícios, mas sim como um povo impuro, havia
uma profunda animosidade entre os dois povos.
Adiante é possível compreender o por que era necessários atravessar a província de
Samaria, Jesus indica ao seus discípulos que os campos estavam prontos para
a colheita, falando a respeito da pregação do evangelho entre os samaritanos.
Podemos também remeter essa necessidade ao fim do
juízo promulgado por Amós, que sinalizou um tempo em Samaria onde se buscaria a
palavra de Deus, porém não encontrariam, teriam sede e fome da palavra de Deus.
Jesus se apresente aos samaritanos como a água da vida e por lá permanece dois
dias ensinando a respeito do reino e muitos crêem nele. Samaria volta a ouvir a
voz de Deus!
[verso 7] “Nisto, veio uma mulher samaritana tirar água”
Sabemos pelo
horário em que a mulher vai retirar água do poço e pelo fato de estar sozinha,
que possivelmente não estava inserida no grupo de mulheres de sua cidade.
Culturalmente as mulheres buscavam águas juntas e pela manhã, nunca ao meio
dia, que era o momento mais quente do dia.
[verso 9] “Como
sendo tu judeu, pedes de beber a mim, que sou mulher samaritana?”
Jesus mais uma vez quebra o protocolo. Ele conversa
com uma mulher (coisa que os mestres mais puritanos não faziam) e uma mulher
samaritana. O contexto também não ajuda, sozinho em uma fonte, no início da
tarde, com todos os indicativos que demonstravam que ele estava diante de uma
mulher de reputação duvidosa.
[verso 10] “Se conheceras o dom de Deus e quem é o que te pedes...”
Antes de qualquer coisa, Jesus já sinaliza de onde
veio e com qual propósito veio. Ele vem da parte de Deus para entregar àquela
mulher e ao povo, um dom, um presente da parte de Deus. Esse presente, nada
mais é do que a Água Viva. Essa temática será importante em toda a conversa,
pois eles estão diante de uma fonte, com uma mulher que busca saciar a sua sede
e diante de um juízo histórico que remete a um povo sedento pela palavra de
Deus.
[verso 11 e
12] “onde, pois, tens a água viva?”
A mulher não descarta as palavras de Jesus, porém
confronta-o sinalizando que a água daquela fonte, provinha de um homem santo
que era Jacó, o homem que criou aquela fonte. Um ponto interessante é que desde
a época de Jacó até os dias desse encontro, ainda havia água no poço.
[verso 13 e
14] “aquele, porém que beber da água que eu der
nunca mais terá sede.”
Jesus novamente assume o papel de condutor da
conversa e reafirma que não está ali para falar de água na perspectiva
material, mas sim de uma perspectiva espiritual/existencial. Ele sinaliza a
sede insaciável do ser humano, porém revela que há uma água que além de saciar
essa sede/vazio, ainda faz do sujeito uma fonte ambulante que jorra água da
vida.
[verso 15] “Senhor, dá-me dessa água para que eu não tenha mais sede.”
A mulher samaritana compreendeu o que Jesus lhe
falara. As palavras do mestre desnudaram a sua sede, o seu vazio, ao passo que
lhe aguçou o desejo por esse presente que matava de vez toda a sede humana.
[verso 16] “Vai, chama teu marido e vem cá.”
Muitas são as interpretações dessa fala de Jesus.
Alguns apontam para um confronto a mulher e sua relação conjugal. Compreendo
que há talvez um aspecto cultural, onde o mestre deseja ensinar sobre a água da
vida e respeita a tradição de primeiro ensinar ao marido e o marido depois
ensina à mulher.
[verso 17 e
18] “Não tenho marido.”
Vem a luz o histórico complexo das relações dessa
mulher, o que provavelmente explica o fato de estar sozinha e buscando água no
horário descrito. Ela não tenta esconder sua vida, antes, assume e reconhece a
afirmação do mestre, que o revela como um profeta, capaz de conhecer intentos e
histórias.
[verso 19 e
20] “Vejo que és profeta.”
Diante da vida exposta diante do mestre a mulher
reconhece que aquele homem poderia ser um profeta da parte de Deus, assim fazia
sentido toda essa conversa e a sua capacidade de saber sobre a sua vida tão
bem. A mulher diante do profeta sente-se encorajada para iniciar uma conversa
profundamente teológica com Jesus a respeito do verdadeiro local de adoração,
tema profundo e delicado entre israelitas e samaritanos.
Há quem perceba aqui uma tentativa de desviar o foco
de sua vida, já que ela percebeu-se diante de um profeta, porém, faz mais
sentido compreender que a mulher aproveita a conversa e a pessoa que até então
imagina ser profeta, para dirimir suas dúvidas. Anteriormente ela havia
confessado que a revelação do mestre era verdadeira, ou seja, ela não fugiu do
assunto, antes o enfrentou.
No antigo oriente, teologia não era coisa para
mulheres, por essa razão, talvez, Jesus pediu que chamasse o seu marido. Todavia,
temos uma mulher versada em teologia e com ousadia para se dirigir à um profeta
com uma pergunta delicada e um tema intrigante.
[verso 21 a
24] “Mas vem a hora e já chegou...”
Nesses versículos temos uma grande aula de Jesus a
respeito do plano de Deus na história. Vale o destaque, que Jesus continua a
conversar com a mulher, quebrando o protocolo oficial dos mestres de Israel de
não discutir teologia com uma mulher. Jesus discorre a respeito dos tempos e
eras e do plano de Deus dentro do tempo humano. Ele também fala a respeito da
revelação especial dada aos judeus e a revelação geral dada aos gentios, que
permitiam uma busca e um reconhecimento de Deus. Jesus revela informações
acerca da ação do Espírito Santo e sobre a extensão do Pai de ser tudo em
todos. Há na fala de Jesus a expansão do reino de Deus, não mais circunscrito a
um povo ou região, mas expandido até os confins da terra.
[verso 25] “Eu sei que há de vir o Messias.”
A conversa se iniciou sobre a temática da água da
vida e agora culmina naquele que é a água da vida. A mulher continua a dialogar
teologicamente com Jesus e engata uma outra temática de grande importância
teológica que é a respeito do Messias. Ela não apenas revela um interesse pelo
tema, mas também destaca que esse era um desejo do seu povo que aguarda o dia
em que o Messias anunciaria todas as coisas.
[verso 26] “Eu o sou!”
O ápice da conversa. A revelação de que a todo o
tempo a mulher estava conversando com o Messias que tanto ansiava. Ela estava
diante da água da vida, toda a conversa agora fazia sentido e iniciava ali o
tempo do fim do juízo proferido por Amós, os samaritanos não precisariam mais
andar sedentos pela palavra do Eterno.
[verso 27] “Por que falas com ela?”
Os discípulos retornam das compras e ficam
maravilhados ou surpreendidos, com o fato de Jesus conversar com uma mulher e
ainda por cima samaritana. Isso era algo muito fora da caixa.
[verso 28 a
30] “Vinde comigo e vede!”
A mulher maravilhada com o encontro vai até a cidade
e propaga que um homem diferente entrará naquela região, possivelmente o Cristo
esperado. O encontro foi tão impactante que ela sem hesitar divulga entre os
seus. Aqui podemos perceber que a mulher em questão exercia certa influência
entre os homens da cidade, pois estes acatam a sua falam e vão até Jesus.
[verso 31 a
34] “A minha comida consiste em fazer a vontade
daquele que me enviou...”
Temos mais um indício que confirma a necessidade de
Jesus de passar por Samaria. Ele estava cumprindo a vontade do Pai e realizando
a sua obra. Esse desejo de Jesus lhe era mais necessário e forte que a própria
fome física. Interessante notar que nessa história, todos as personagens
apresentam um tipo de fome: 1) a mulher está sedenta; 2) o povo faminto do
Cristo; 3) os discípulos com fome física e 4) Jesus com fome da vontade de
Deus.
[verso 35 a 38] “erguei os olhos e vede
os campos, pois já branquejam para a ceifa.”
Parece que Jesus está mudando de assunto, porém não
o é. Ele está descrevendo a vontade do Pai e explicando o que estava fazendo ao
conversar com a mulher. Jesus revela aos discípulos que Samaria era um grande
campo pronto para a colheita e que os seus discípulos iriam participar de algo
maravilhoso, eles colheriam frutos para a eternidade, frutos que eles nem
plantaram, pois a semente lançada nessas terras, adveio das mãos dos profetas
que anunciaram a esperança messiânica do Cristo que viria e revelaria todas as
coisas. Ali, em uma terra rejeitada e odiada, onde os judeus evitavam passar,
Deus decidiu colher frutos para a eternidade. Era Jesus ensinando os seus
discípulos a olharam para fora da caixa e verem o que Deus estava fazendo para
além dos muros de Israel.
[verso 39 a
42] “Muitos samaritanos daquela cidade creram
nele...”
Cumpriu-se o propósito de Deus aos samaritanos,
findou o tempo do silêncio. Agora o povo de Samaria estava diante do próprio
Cristo. A mulher que estava com sede, agora de si jorrava água da vida que
embebeu aos que estavam a sua volta e por ali o mestre ficou por dois dias
ensinando e convivendo com eles a tal ponto que àqueles e àquelas declararam: “Verdadeiramente
este é o Salvador do Mundo!”
APLICAÇÕES:
a)
Jesus está comprometido em fazer a vontade do Pai, por isso olha e vive
para além da caixa. Ele está ainda hoje, encontrando muita gente, em muita
fonte, que permanece em busca da água da vida.
b)
O evangelho é poderoso para fazer pessoas que antes sedentas, tornam-se
pessoas transmissoras da água da vida. Quem diria que uma mulher isolada,
colocaria uma cidade em contato com o Cristo?
c)
Os campos estão prontos para a colheita. Deus desde o princípio está
semeando na humanidade a esperança por serem encontrados por Ele. Somos chamados
a olhar os campos e colher. Por vezes, àqueles campos mais rejeitados,
tornam-se os mais frutíferos.